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sexta-feira, abril 26, 2024
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O fogo passou e destruiu parte do Pantanal em setembro, mas o pior está por vir

Vegetação seca, calor excessivo e baixa umidade do ar foram os ingredientes básicos para provocar o maior incêndio florestal que se teve notícia na história do Pantanal. O fogo varreu a vegetação com fome voraz de destruição e não poupou nem os ninhais no alto das árvores. Estima-se que, entre os meses de agosto e setembro, o fogo tenha destruído 35% dos seus 140 mil quilômetros quadrados em território brasileiro. Enquanto ainda se buscam culpados, o bioma aguarda silencioso por um momento ainda mais crítico no pós-fogo. Na região de quase cinco milhões de hectares ameaçados pelas chamas, o fogo já lambeu sensivelmente dois milhões de hectares. Nesse cenário, araras não vão encontrar com tanta facilidade os coquinhos das palmeiras acuri e bocaiuva. Capivaras também não vão pastar as gramíneas queimadas e que só crescem naquela região. São animais seletivos na alimentação e não migram, habitualmente, para outras áreas fora do seu circulo de domínio. Com o verde transformado em cinza nessa parcela do Pantanal, o risco de morrerem de fome é grande.

Animais morrem de fome no pantanal
Biólogos acreditam que a fome irá matar mais animais e aves do que o fogo dos incêndios Foto: Lucas Ninno

O alerta sobre a “fome cinzenta” é do biólogo e apresentador Richard Rasmussen. Ele interrompeu as gravações do projeto Brasil Biomas para se engajar em campanhas de arrecadação de alimentos e água para serem colocados ao longo da Rodovia Transpantaneira, no município de Poconé (MT). Foram instalados 80 cochos de água e comida em um trajeto de 145 quilômetros de estrada e mantidos sempre cheios por voluntários do Posto de Atendimento a Animais Silvestres (PAEAS). Richard, que acumula uma vasta experiência com a natureza em seu estado primitivo, também cedeu a sua Clínica Veterinária Móvel para o socorro a animais feridos na área de influência da Transpantaneira, em uma área distante 180 quilômetros de Cuiabá (MT). “O que vejo é muito triste e o que há por vir será mais desesperador. Irão morrer de fome mais animais e aves do que foi pelos incêndios”, argumentou o biólogo ao cobrar uma posição mais rígida à gestão do fogo e fiscalização ambiental preventiva por parte das autoridades estaduais e federais.

Só percebe o tamanho dessa tragédia quem está aqui sentindo o cheiro da fumaça e se livrando das brasas para apagar o fogo ou socorrer os animais – Richard Rasmussen

E ainda nem se falou nada sobre a vida pantaneira da qual os olhos não enxergam em um primeiro instante e que também foi queimada: formigas, cupins, abelhas a marimbondos. O que vão comer os tamanduás? Quando o verde brotar, quem vai polinizar as flores? São questões que nem os pantaneiros nem os ambientalistas ousam responder, pois não sabem. Muito menos, como será em um futuro próximo a população de aves que teve a sua produção de ovos e filhotes queimada.

Richard Rasmussen no pantanal
Richard Rasmussen: “Nessa cadeia de prejuízos inclui-se o homem pantaneiro, este último, um dos mais prejudicados” Foto: Marcos Bergamasco

Em setembro, o número de focos de calor nessa extensão pantaneira foi recorde desde o inicio da série histórica do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) em 1998. Foram 6.048 registros desde 1º de setembro até o dia 23 (quarta-feira), o dado mais recente. O recorde mensal anterior era de agosto de 2005, quando houve 5.993 focos de incêndios. Em 2020 o bioma escapou da sede provocada pela longa estiagem, mas ardeu em chamas.

Incêndio no Pantanal
Estima-se que o incêndio já atingiu cerca de 35% de todo o Pantanal Foto: Mayke Toscano SecomMT

Unicamente no Parque Estadual Encontro das Águas, entre os municípios mato-grossenses de Poconé (56,71%) e Barão de Melgaço (43,29%), que abriga grande concentração de onças-pintadas, a destruição alcançou 85% dos cerca de 108 mil hectares, segundo cálculos do Instituto Centro de Vida (ICV), que monitora queimadas no País.

EFEITO DECOADA

Nem mesmo as primeiras chuvas esperadas como lamento de salvação para o Pantanal animaram os biólogos. Em um primeiro momento, por ocasião dos resíduos dos incêndios, a chuva representa risco. Estudo da Embrapa, no âmbito do Projeto Queimadas e Recursos Hídricos, concluíram que a presença das cinzas de incêndios florestais altera a composição química do solo e quando ocorre o escoamento superficial após uma chuva, a primeira consequência no ambiente aquático é a redução de oxigênio. O homem do Pantanal a denomina como “decoada” e a tendência é que a água das lagoas se torne escura, com muita matéria orgânica e falta total de oxigênio dissolvido. O pH também deverá baixar consideravelmente.

incêndio no pantanal
Uma das antas mortas encontradas no caminho da reportagem foto: Lucas Ninno

Francisco Machado, biólogo e professor aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), engrossa o coro de preocupação com o futuro da fauna pantaneira. Mais conhecido como “Chico Peixe”, o biólogo é profundo conhecedor da ictiofauna de água doce. “Em água corrente o dano é mitigado pela renovação. No entanto, em corixos, lagoas e baias, caso do Pantanal, o resultado pode ser catastrófico com a mortandade de peixes”, sobreavisa. Em um efeito cascata, afeta também outros animais como jacarés, ariranhas e aves que terão a sua cadeia alimentar reduzida drasticamente.

Nessa cadeia de prejuízos, inclui-se o turismo, a pecuária e o homem pantaneiro, este último, um dos mais prejudicados pelos incêndios – Richard Rasmussen

A proporção ganha contornos mais graves quando se soma a essa rica biodiversidade pelo menos 4.700 espécies, incluindo fauna e flora. São 3.500 espécies de plantas, 325 de peixes, 53 de anfíbios, 98 de répteis, 656 de aves e 159 espécies de mamíferos. “Só percebe o tamanho dessa tragédia quem está aqui sentindo o cheiro da fumaça e se livrando das brasas para apagar o fogo ou socorrer os animais”, contrapõe Richard Rasmussen. Nessa cadeia de prejuízos, inclui-se o turismo, a pecuária e o homem pantaneiro, este último, um dos mais prejudicados pelos incêndios.

Incêndio no Pantanal
“Essa tragédia já era esperada, pois as leis nos impedem de fazer a limpeza das pastagens”, alega Leandro Pio Foto: Marcos Bergamasco

“Das duas mil e novecentas hectares da minha fazenda, perdi para o fogo cerca de oitenta por cento da área. Ainda tenho de duzentas a trezentas cabeças de bois perdidas no mato”, lamenta o pantaneiro Leandro Pio, que é o presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Cavalo Pantaneiro. Pio conta que nasceu e se criou no Pantanal e nunca tinha visto incêndio florestal de tamanha proporção. “Desde 2019 que o Pantanal não estava recebendo água na quantidade que precisava. Essa tragédia já era esperada, pois as leis nos impedem de fazer a limpeza das pastagens”.  Leandro Pio observa que nunca se juntou tanto sedimento inflamável e massa de capim seco na região de Poconé, por exemplo.

RESERVA DE ALIMENTOS

Em meio à destruição pelo fogo, o homem do Pantanal se solidariza com a natureza. O sitiante Jorvelino Rocha Viana mora em uma propriedade de 120 hectares na região conhecida como Santana do Taquaral, no município de Santo Antonio de Leverger (MT). A área é reconhecida como Cabeceira de Pantanal. Ele viu quase todo o sitio ser destruído pelo incêndio no início de setembro, mas conseguiu salvar da queima alguns pés de manga e cajueiros, ambos com frutos ainda verdes. “Vimos a fumaça chegando e a bicharada tentando escapar. Ainda tentamos apagar o fogo, mas não demos conta. Foi muito rápido”, contou.

Foto: Marcos Bergamasco

Consciente da situação, Rocha se reuniu com a esposa, dona Edna, e decidiu destinar todas as frutas do pomar às araras que normalmente visitam o sitio Recanto Feliz em busca das palmeiras dos coquinhos acuri, que foram queimadas. “Elas chegam famintas e comem as castanhas dos cajus ainda verdes. Acho que é por causa da fome. Até as mangas vamos deixar para elas. Esse ano as frutas do pomar serão exclusivas das araras, tucanos e papagaios. Ninguém vai mexer em nada”, falou o lavrador que tem formação em Pedagogia.

Rocha conta que quando o turista chega ao pantanal vê poesia em tudo. “O pantaneiro também vê a beleza da sua terra. Mas, vê dificuldades, resiliência e muita esperança também. “Atualmente não é fácil viver e se sustentar no Pantanal”, explica e vai além. “Para resolver a questão pantaneira é preciso enxergar o macro. O problema envolve as cidades, o país e o mundo. Tem a questão do aumento do calor, das derrubadas e queimadas no Cerrado e na Amazônia, do lixo e do esgoto que vem das cidades descendo pelos rios até o Pantanal”. Rocha termina dando uma lição de sabedoria: “O Brasil só vai ajudar o Pantanal se mudar a forma de se produzir e de se consumir. Trata-se de uma mudança de vida e de conceitos”.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Em live promovida pela Revista Época, no dia 23, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, declarou que culpar o homem do Pantanal pelos incêndios é injustiça.  Ela alega que quem vive no Pantanal também é prejudicado. Trata-se de um viés diferente do defendido por alguns setores ambientalistas, no qual Tereza Cristina cita como uma das causas as mudanças climáticas que vem provocando incêndios florestais até onde jamais seria imaginado: na Sibéria.

A ministra reforça que a seca pela qual passa o Pantanal neste ano poderá provocar novos incêndios. “Não vou dizer que é normal, nem agradável, mas a tendência com a seca que tivemos é que houvesse mais incêndios”, disse. Em Carta Técnica, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) – vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – também afirmou que “um dos principais motivos para os incêndios é o clima: o Pantanal vive a pior seca dos últimos 60 anos”. O Rio Paraguai, que é o principal canal de alimentação da região, registrou em setembro o seu ponto mais crítico com apenas 60 centímetros de lâmina d’água.

Estamos vivendo uma crise planetária sem precedentes. Projeções indicam que vai piorar – Michele Sato

A pesquisadora Michele Sato, da Universidade Federal de Mato Grosso, reafirma que é preciso analisar melhor a questão climática sobre os incêndios no Pantanal. Durante Audiência Pública da Assembleia Legislativa para tratar sobre o Pantanal, em 21 de setembro, ela foi outra a declarar que o desastre no Pantanal é consequência do clima, principalmente. “Estamos vivendo uma crise planetária sem precedentes. Projeções indicam que vai piorar“. No mesmo evento, a deputada federal Rosa Neide (PT-MT) criticou o que ela define como postura negacionista do Governo Federal quanto às mudanças climáticas. “Temos que colocar o dedo na ferida. Se não planejarmos agora, o desastre no ano que vem será ainda maior“, alertou.

Uma compreensão que parte também de comunidades tradicionais. “Vejo tudo aquilo que eu amo se acabando em chamas. O povo pantaneiro luta pelo Pantanal. É aqui que residimos. É de onde tiramos o nosso sustento“, lamentou Leidiane Nascimento da Silva, da comunidade Pantanalzinho, em Barão de Melgaço.

A coordenadora da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira, Cláudia Sala de Pinho, alega que falta visibilidade a quem conserva o bioma. “Tivemos pessoas fazendo guarda dia e noite para o fogo não entrar nas casas. É muito triste ver o Pantanal nessa situação. Mas, é mais triste ainda saber que isso é um dos meios para retirar as comunidades tradicionais do Pantanal. Depois do incêndio é que vamos saber a dimensão do que isso vai causar nos nossos territórios e nas nossas vidas. O Pantanal é a nossa casa e não vamos deixá-la“, disse.

Para o professor de História, Luiz Antonio de Souza, não há como dessasociar o Pantanal do Homem pantaneiro, do boi e do cavalo pantaneiro. “Do apogeu das usinas de açúcar – na época do Império – à Guerra do Paraguai, o homem pantaneiro foi fundamental para proteger a fronteira do Brasil. No ciclo das charqueadas, o boi do Pantanal alimentou soldados europeus durante a primeira Guerra Mundial”, Ele observa que desde o final do século 17 o Pantanal é dono de uma pecuária ímpar, com o bovino adaptado ao ciclo das águas. “O mugido do boi quebrou o silêncio do ciclo do ouro e se tornou elemento de unidade nacional no Pantanal”, completou Luiz Antonio.

FISCALIZAÇÃO

Sob o aspecto da busca por responsáveis, a secretária de Meio Ambiente de Mato Grosso, Mauren Lazzaretti, conta que imagens de satélite apontaram ao menos cinco pontos originários dos incêndios florestais que foram conferidos ao Pantanal Norte. Um deles foi iniciado na Terra Indígena Perigara, do povo Bororo. A área tem 11 mil hectares e fica no município de Barão de Melgaço. Outro foi registrado após um acidente veicular na Rodovia Transpantaneira, além de outros três identificados dentro de propriedades rurais. “Temos trabalhado para localizar esses pontos originários, averiguar a responsabilidade, coletar dados e punir aqueles que configurarem em infração”, explicou.

Incêndio no Pantanal
“Já aplicamos cerca de 190 milhões de reais em multas”, contabiliza a secretária de Meio Ambiente Mauren Lazzaretti Foto: Mayke Toscano SecomMT

Eliane Bakairi, da Federação dos Povos Indígenas do Mato Grosso (Fepoimt), nega que o povo Bororo tenha ateado fogo na Terra Indígena. Ela reclama que o número de brigadas é insuficiente, principalmente em um dos territórios mais afetados que foi a Baía dos Guató. A líder indígena reforça que as brigadas são insuficientes e o PrevFogo, do Ibama, sofreu cortes orçamentários. “O fogo no Pantanal é causado por uma série de fatores e não apenas pelo homem”, concluiu.

Em Audiência Pública Remota sobre o Pantanal, promovida pelo deputado estadual Lúdio Cabral (PT), em 21 de setembro, a superintendente substituta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Cibele Xavier Ribeiro, fez a defesa do órgão e apresentou o contexto das brigadas em Mato Grosso citando a limitação do órgão que, segundo ela, só pode atuar em unidades de conservação e terras da União. No entanto, entre 2019 e 2020 o Governo Federal reduziu em 58% a verba destinada ao PrevFogo, um corte de R$ 13,79 milhões que impactou a contratação de brigadistas para prevenção e o controle de incêndios florestais.

Correndo por fora, uma força-tarefa do Governo de Mato Grosso já aplicou, desde janeiro, R$ 190 milhões em multas relacionadas a incêndios florestais e queimadas ilegais. As autuações foram feitas por meio dos órgãos que compõem o Comitê Estratégico para o Combate do Desmatamento Ilegal, a Exploração Florestal Ilegal e aos Incêndios Florestais (CEDIF-MT). Mauren Lazzaretti reconhece que o Estado precisa amadurecer nas técnicas de prevenção e combate aos incêndios florestais, além de incrementar a discussão da política de mudanças climáticas. “Se trata de um pacote muito amplo a ser observado e discutido”, concluiu.

Já em Mato Grosso do Sul, a Polícia Federal diz ter provas para indiciar ao menos quatro proprietários de terras apontados como causadores de queimadas que originaram os incêndios na região da Serra do Amolar, no Pantanal Sul. O Ministério Público Federal (MPF) analisará a questão e pode ou não denunciar os investigados à Justiça Federal.

BOI BOMBEIRO

No calor das discussões sobre os incêndios no Pantanal, até o boi levou a culpa. A pecuária está presente no Pantanal desde o final do século 17 com a introdução de gado de origem europeia trazido pelos colonizadores portugueses e espanhóis. A atividade, inclusive, acompanhou a colonização realizada após a exploração do ouro na região do Vale do Rio Cuiabá. Trezentos anos depois, a pecuária continua sendo a atividade econômica de maior peso no Pantanal e uma das responsáveis pela produção de bezerros para o Centro-Oeste e Sudeste. Até os anos 1970, o Pantanal chegou a abrigar quase 90% do rebanho mato-grossense e perto de 6% do efetivo bovino de corte nacional.

No entanto, na audiência promovida pelo deputado Lúdio Cabral, o ecologista André Luiz Siqueira, da Ecologia em Ação (Ecoa), criticou a pecuária pantaneira e a postura do Governo Federal de culpar as unidades de conservação pelos incêndios e defender a troca da vegetação do Pantanal por pasto. “Gado não é bombeiro do Pantanal. O principal regulador de desmatamento e incêndios do Pantanal é o Rio Paraguai, seus afluentes e suas áreas de inundação”, afirmou.

Incêndio no Pantanal
José Arruda: “O incêndio mata o solo, a vegetação e animais. O homem do Pantanal morre junto” Foto: Marcos Bergamasco

O criador e pantaneiro, José Arruda, da Fazenda Esperança, alega que nos últimos trinta anos as leis vêm engessando a atividade econômica pantaneira, que sempre foi um dos braços fortes da pecuária nacional e mato-grossense. “Essa capoeira que vemos por todos os lados é erva invasora. Não é do Pantanal”. Segundo ele, a forma como o gado se alimenta e as técnicas de manejo dessas pastagens garantem uma barreira natural contra o fogo. O rebanho migra de acordo com as estações e limpa uma grande quantidade de massa verde que poderia se tornar resíduo para incêndio. “Tanto é, que nunca tivemos uma situação como essa na história recente”. Ele argumenta que o Pantanal sempre foi caracterizado por campos e cordilheiras, e não pelo mato que se vê atualmente.

Sobre a queima da pastagem, José Arruda explica que o homem do Pantanal pratica o fogo frio apenas quando necessário. “Depois das primeiras chuvas, com o solo já encharcado, faz se a queimada controlada, seletiva e com aceiros em locais específicos para que o capim rebrote. E isso, com acompanhamento”, reforça o pantaneiro. “Isso que está acontecendo não é queimada, é incêndio que mata o solo, a vegetação e animais. O homem do Pantanal morre junto”. “O homem pantaneiro vem tentando sobreviver nesse bamburro que está ai e a culpa é das autoridades e ambientalistas que só aparecem aqui para fazer fotos”, completa o pantaneiro e criador, Osires Pereira de Arruda, gerente da Fazenda São Gonçalo.

Incêndio no Pantanal
“A culpa é das autoridades e ambientalistas que só aparecem aqui para fazer fotos”, desabafa Osires Pereira Foto: Marcos Bergamasco

Quando José Arruda fala sobre queimada controlada, refere-se à queima prescrita. Técnica utilizada para impedir grandes incêndios. Realizada após as primeiras chuvas ou no final do período, consome apenas a biomassa que está na superfície sem prejudicar o sistema radicular das plantas. A técnica é utilizada, inclusive, em parques de países europeus, Austrália e Estados Unidos. Dessa forma, o bom uso do fogo reduz o material combustível e fragmenta a vegetação, evitando os grandes incêndios, que devido à intensidade e à severidade podem esterilizar todo o ecossistema afetado. Outra vantagem do fogo controlado é o aumento da biodiversidade, já que a vegetação dominante pode abafar outras espécies caso não seja removida.

ESTATUTO DO PANTANAL

Diante de um calor de mais de 40 graus e com fumaça ardendo os olhos, integrantes da Comissão Temporária Externa do Senado criada para acompanhar as ações de enfrentamento aos incêndios no Pantanal visitaram, no dia 19, parte da região atingida pelos incêndios no Pantanal de Poconé. Wellington Fagundes (PR), Jayme Campos (DEM) e Carlos Fávaro (PSD), ambos da bancada de Mato Grosso, se reuniram com representantes de proprietários de fazendas e pousadas, de organizações não governamentais (ONGs) e cientistas para anunciar a intenção de se criar o Estatuto do Pantanal. A ideia é provocar uma grande discussão com o homem pantaneiro, representante da comunidade indígena, ambientalistas, representantes do turismo, do agronegócio e da agroindústria. “Precisamos encontrar saídas que contemplem atividade econômica e a preservação ambiental”, destacou Fagundes.

Não se trata de apenas salvar onças, como temos visto falar pela televisão. É preciso salvar o Pantanal como um todo, inclusive o homem que nele nasce e vive – Osires Pereira

Na Câmara dos Deputados, parlamentares criaram um grupo de trabalho para analisar a chamada “Pauta Verde”. O grupo vai sugerir proposições, como o Projeto de Lei 3961/20, do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que coloca o Brasil em estado de emergência climática até que ações para reduzir o impacto da atividade humana no clima deixem de ser urgentes. Se aprovado, o governo brasileiro fica proibido de, durante a situação de emergência, remanejar recursos orçamentários que se destinem à proteção ambiental.

Incêndio no Pantanal
Salvar o filhote de Tamanduá Bandeira é a certeza de continuidade da vida no Pantanal Foto Juliana Carvalho

Enquanto tudo se desenrola, o homem do Pantanal vê o movimento com certa desconfiança. “Já vimos muitos ambientalistas deixarem a praia no litoral para vir aqui nos apontar o dedo. Também, autoridade que decidiram por nós em seus gabinetes. Não se trata de apenas salvar onças, como temos visto falar pela televisão. É preciso salvar o Pantanal como um todo, inclusive o homem que nele nasce e vive. Espero que agora seja diferente, mas chegaram tarde demais”, sentenciou o pantaneiro Osires Pereira, de 63 anos.

Se estivesse vivo, o pantaneiro e marechal, Cândido Mariano da Silva Rondon, estaria à frente das discussões. Rondon foi neto de índio Bororo do Pantanal de Mimoso. Da mesma forma, o poeta Manoel de Barros, que viveu os seus últimos dias na Fazenda Santa Cruz, no Pantanal de Mato Grosso do Sul, repetiria a sua célebre frase do poema “O olhar de Helena”: O tempo só anda de ida.

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