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sábado, abril 20, 2024
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Liberdade como possibilidade

O recente acontecimento envolvendo o apresentador Monark, do Flow Podcast, trouxe a lume um intrigante debate de séculos: existe ou não direito absoluto? A liberdade pode ser absoluta? A resposta quanto à primeira indagação parece automática – se é direito, existe regras e modos de exercê-lo-, portanto, seria uma contradição pretender que se tenha por absoluto.

Da liberdade, a temos historicamente como autodeterminação, como necessidade e liberdade como possibilidade ou escolha. Na primeira, a liberdade é ausência de condições e limites.

A segunda não difere conceitualmente da primeira, mas está atribuída à totalidade, assim, longe está da individuação. A terceira, liberdade como possibilidade ou escolha, é finita, ou seja, está condicionada. Aqui, nos ocuparemos da primeira e da terceira. O que é causa de si mesmo é livre, conforme Aristóteles. Para o pensador grego, a realização de uma boa ação depende de cada um e também dependerá de cada um não realizar má ação (Et. nic., III, 5, 1113 b 10).

A segunda não difere conceitualmente da primeira, mas está atribuída à totalidade, assim, longe está da individuação
O próprio princípio é o homem, que age e depende de si mesmo. Esse entendimento de “princípio de si mesmo” é a definição da lei incondicionada, a qual está em Cícero: “Para os movimentos voluntários da alma não se deve procurar uma causa alheia, pois o movimento está em nosso poder e depende de nós: nem por isso é sem causa, visto que sua causa é sua própria natureza” (De fato, II, cit. por Nicola Abbagnano, Filosofia).

Epicuro e Lucrécio seguem o mesmo pensamento. Teremos, como consequência, a anarquia (penso eu), uma liberdade sem regras ou condições. A liberdade como possibilidade é exercida pela escolha motivada ou condicionada. Nesse sentido, livre não é quem encarna a causa de si mesmo, mas quem possui determinadas possibilidades, considerando a medida destas. Explico. Platão afirma que a liberdade é a “justa medida”.

A liberdade, portanto, está condicionada a modelos de vida disponíveis e pelas possibilidades objetivas, e também pela motivação. A liberdade é finita, ressalta-se. Desse modo, longe se estará da anarquia quando a liberdade é tomada como possibilidade, como justa medida. Não há liberdade, afora na quadra anárquica, sem condicionantes, sem regras. E o Monark? Qual foi a dele? Pensou, provavelmente, viver numa liberdade sem freios, incondicionada, absoluta.

Talvez seja o problema de boa parte dos jovens de hoje. Fazem da internet um campo de princípio de “si mesmo”, acreditam ser tutores da própria autodeterminação, infinita, e jamais entendem as regras da vida em sociedade. Como se encarnassem o todo e a liberdade fosse apenas um apêndice das suas necessidades. Se explicou no álcool e na maconha; veio para a realidade e percebeu, tardiamente, infelizmente, que há condicionantes, subjetividades. Enfim, alteridade, outros, apesar de isso não ser o forte na “reflexão” da juventude interligada.

O YouTube bateu-lhe com as portas, sua presença ali poderia causar danos significativos à comunidade, concluiu. Seria uma pena de banimento? É possível isso tendo-se em vista o melhor direito? Bom, tal seria propício para um próximo artigo. Aparentemente foi cancelado, igual a milhões todos os dias nas “amizades” dos aplicativos da internet. Novos tempos: silenciar sem enterrar, pena bastante sofrível para quem se permitia a liberdade infinita. É por aí…

Gonçalo Antunes de Barros Neto é professor de Filosofia e magistrado

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