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quinta-feira, abril 18, 2024
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Antiga Estação da Praça Bispo Dom José: eu sobrevivi

O velho terminal de ônibus, desativado há 17 anos, foi um local de terror para os passageiros, mas também guarda nostalgia para que lá frequentou

Por Afrodita Martim

A antiga estação de transporte coletivo urbano da histórica Praça Bispo Dom José foi uma história de amor e ódio para os usuários do sistema por pouco mais de uma década, entre os anos 1990 e 2000. Era a principal parada na parte central da cidade e confluência de diversas linhas, com milhares de passageiros circulando dia a dia.

Um cotidiano envolto em emoções díspares, antagônicas e contraditórias, que iam desde o pavor ao encantamento, passando pela paz e sobressalto. Estados de espíritos diversos e adversos. Tudo isso porque ali os usuários estavam sempre atentos aos perigos e, concomitantemente, aos prazeres.

Ao mesmo tempo em que as longas filas, o calor infernal e as cenas de roubos e furtos eram frequentes, os encontros de amigos, namorados e amantes se sobressaiam em meio àquele turbilhão de emoções e proliferação de gente. “Pareciam um formigueiro”, relembra Jorge Benedito dos Anjos, um antigo frequentador do lugar.

Lugar de encontros

“A antiga Estação Bispo foi para mim um misto de temor e amor. Era ali que organizamos nossos encontros. Amigas e amigas se encontravam para marcar festas, encontros em baladas, shows e outros agitos”, descreve Jorge Benedito, que na época era um adolescente de 17 anos.

Foi ali que ele conheceu a namorada que no futuro seria sua esposa e mãe de seus dois filhos. “A gente se acostuma até com coisa ruim. Aquele lugar era horrível. Sujo, feio, longas filas, ônibus chegando e saindo lotados. Mas era uma agitação que nos movia, mexia com nossa inquietação de adolescente”, recorda o hoje empresário Jorge Benedito.

A velha Estação Bispo Dom José chegou, ali pelo início do século 21, ao seu esgotamento máximo. Era vista como “um verdadeiro campo de concentra”, uma “verdadeira tortura” frequentá-la. Quem podia a evitava. Que não consegui evitá-la era obrigado a sofrer os horrores de um espaço que não dava mais certo.

A Estação Bispo fica em um lugar de Cuiabá, numa parte do vale do córrego da Prainha (canalizado) em que pouco venta (e a capital mato-grossense já naturalmente carente de ventos) e trata-se de uma ilha de calor numa cidade em que a tempera média anual já margeia os 40 graus. Os termômetros ali por perto, dependendo da época do ano chegam a 47 e até 50 graus.

Sem lazer

O terminal foi criado em 1995, destinado a interligar parte do sistema de transporte coletivo urbano vindos de boa parte dos bairros de Cuiabá e Várzea Grande. Por meio dele buscava-se evitar que os passageiros pagassem mais de uma passagem quando tivesse de se deslocar para pontos extremos da cidade.

A professora Cristina Benedita da Silva, que na época era estudante, recorda que os ônibus estavam sempre lotados. “E, para piorar, eram poucos ônibus, principalmente no final de semana, que diminuía a frota. Até hoje ainda diminuem muito as frotas de ônibus nos finais de semana. Quando seria o momento de lazer, quem depende de ônibus acaba ficando em casa”, pontua ela.

Como os ônibus estavam sempre lotados, havia briga de passageiros para se sentar quando entravam nos veículos. O desrespeito aos idosos, gestantes e deficientes era freqüente. “Os mais novos não davam lugar para os idosos ou mulheres gestantes. Quando tinha que entrar no ônibus, as pessoas empurravam, então às vezes você nem entrava, apenas com o empurrão você já estava dentro do ônibus”, relembra a professora.

Assédio e importunação

Ele descreve que nesses momentos é que aconteciam os furtos: “Os ladrões, nesse momento, aproveitavam para furtar carteiras, celulares e outros objetos que as pessoas, especialmente mulheres e idosos, carregavam.”

O assédio e a importunação sexual também eram facilitados com a lotação dos veículos. “A maioria dos homens não respeitava. E não respeita até hoje. No empurra-empurra os machista aproveitavam para encostar, passar a mão e falar coisas obscenas para as mulheres”, descreve ela.

Um dos maiores problemas na estação era a falta de segurança. Silvia, que preferiu não ser identificada, recorda que não tinha seguranças por lá e que a polícia quando aparecia era para maltratar os jovens com abordagens violentas. “Nós, negras e negros, eram o que mais sofríamos com as abordagens da polícia. E a prefeitura não mantinha seguranças na estação”, rememora.

Trabalhos escolares

Outra parte boa da antiga Estação Bispo mencionada por seus antigos frequentadores é que a demora na chega dos ônibus permitia que os colegas de escola se encontrassem para fazer trabalhos escolares. “A gente se encontrava e trocava informações para os trabalhos de escolas. A gente fazia rodinhas de colegas e às vezes o trabalho de escolha saia dali pronto”, relembra Augusto Pinheiro, hoje funcionário público concursado.

A velha Estação Bispo era o local onde as pessoas marcavam para pegar e entregar coisas. “Você marcava com um amigo, namorado ou parente para pegar encomenda, livros, comida, de tudo. Às vezes a pessoa que ia receber ou entregar a encomenda ficava dentro ou fora da cerca da estação, naquela rua do lado [Coronel Peixoto] ou de frente para lojas [parte não fechada da praça na época]. E a pessoa entregava ou recebia e continuava o trajeto”, relembra Patrícia Soarez.

Desativação

Em 2005, primeiro ano da gestão do prefeito Wilson Santos, a Praça Bispo Dom José, que estava no auge do abandono, se deteriorando a cada dia, foi finalmente desativada. A população já não suportava mais freqüentar o local e, mesmo os não usuários do transporte, estava incomodados com um lugar feio, mal cuidado e ineficiente. Anos depois, com a reformulação do sistema, a praça ganhou uma estação moderna e refrigerada.

Antigo largo “Mundeuzinho”

Antigo Largo da Conceição, “Mundeuzinho”, a Praça Bispo Dom José tinha no seu centro um chafariz que embelezava o ambiente e também servia como fonte de abastecimento de água da população.

Construído em 1871 pelo então presidente da Província, Dr. Francisco José Cardoso Júnior, o chafariz era interligado por aqueduto ao reservatório d’água no antigo quintal do Maranhão, bem como de um aqueduto para alimentação do chafariz. As obras da praça, incluindo o chafariz, tiveram como engenheiro responsável o militar do Exército Brasileiro Francisco Nunes da Cunha.

Dom José, homenageado com a obra, era Dom José Antônio dos Reis, um paulista nascido em 1798, formado em Direito pela Faculdade de São Paulo, que se tornou o primeiro bispo de Cuiabá, cidade onde viveu e trabalhou por quase cinco décadas e faleceu em 1876, ao 88anos,conforme registro no livro: “Ruas de Cuiabá”, de autoria do jornalista e historiador Rubens de Mendonça, disponível para consulta na Biblioteca do Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano(IPDU).

No morticínio de 30 de maio de 1834, conhecido na História como “Rusga”, Bispo Dom José saiu as ruas com um crucifixo em punho procurando a aplacar a ira popular contra os portugueses. Em Mato Grosso, ele foi um dos primeiros defensores a manifestar e atuar pelo abolicionismo.

 

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