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sexta-feira, abril 26, 2024
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O líder do Governo está certo: precisamos de nova Constituição

Na manhã da última segunda-feira 26, o líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, deputado Ricardo Barros, num debate promovido pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, manifestou-se a favor de um plebiscito para a população decidir ou não por uma nova Assembleia Nacional Constituinte.

Segundo o deputado, aconteceu o que o presidente José Sarney previu: a Constituição de 88 tornaria o país ingovernável, pois criara mais direitos que deveres, o que tem levado, ao longo desses 32 anos, a crescente déficit nas contas públicas por conta da enormidade de gastos, e que o país não consegue mais [ou nunca conseguiu] honrar todos os direitos que a Carta Magna brasileira determina.

As palavras do líder governista foram duramente combatidas por analistas da grande mídia, juristas e representantes de entidades classistas da magistratura e do ministério público e da advocacia. Uma das críticas mais duras veio do ex-ministro do STF Carlos Velloso, que considerou a fala do deputado “conversa de botequim; retrocesso de direitos fundamentais conquistados, opinião de quem não sabe o que é Constituição, não sabe o que é política e não sabe o que é governabilidade”.

Segundo o deputado, aconteceu o que o presidente José Sarney previu: a Constituição de 88 tornaria o país ingovernável

Sem embargo das opiniões contrárias e antes da crítica rasa e desprovida de fundamentos, a declaração do parlamentar merece acolhimento e reflexão aprofundada, mormente se admitirmos a premissa que, ao longo desses 32 anos de vigência o texto constitucional: se mostrou incapaz de atender o anseio do poder constituinte, que era promover o estado de bem-estar social e harmonia política; aumentou exponencialmente as despesas como proporção do PIB, com piora na qualidade das serventias públicas; com sua essência parlamentarista levou os poderes a sucessivas crises de governabilidade, com afastamento de dois presidentes da república e indução da criação de reprováveis mecanismos de “aquisição” de apoio parlamentar.

O nosso conterrâneo Roberto Campos, diplomata, ministro de estado, senador da república e deputado federal, sem dúvida um dos integrantes do panteão de grandes pensadores do Brasil moderno, já manifestava preocupação no nascedouro da Carta Constitucional. Disse ele: “…um misto de panaceia e paixão jurisdicista; catálogo de utopias; carnaval cívico; desastre ecológico; mesquinharia, xenofobia, irracionalidade econômica, corporativismo, pseudonacionalismo; favela jurídica onde os três poderes viverão em desconfortável ‘promiscuidade”.

E Campos nunca esteve sozinho em suas constatações sobre a Carta Magna brasileira. Miguel Reali, um dos maiores juristas que o Brasil conheceu, também cunhou os trabalhos da Comissão de Sistematização da Assembleia Nacional Constituinte como ‘patifaria’.

E mais opiniões de peso do pensamento nacional acompanha esses dois célebres:

“O problema da nossa Constituição foi ter conformado uma federação maior do que o PIB. O custo político da federação, que gera uma carga tributária ciclópica e de difícil reversão é o que está travando o desenvolvimento do país. Três estados e 1600 municípios criados após 1988, com alargamento dos ministérios e estruturas burocráticas afogam o Brasil que tem, em relação aos [demais países] emergentes, uma sofrível performance.” – Ives Gandra Martins, jurista.

“Muito detalhe e pouco princípio, muito coração e pouca cabeça, muito direito e pouco dever, muito imposto e pouco serviço. Essa alquimia acabou transformando nossos piores traços culturais em enormes problemas. Uma tragédia de difícil cura.” – Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central;

“Há quase um consenso generalizado que o nosso Magno Diploma jurídico trouxe mais dúvidas [por ser muito prolixa] do que certezas, tornando-se um entrave à governabilidade e ao desenvolvimento do país.” – Ney Prado, desembargador federal, ex-secretário geral da Comissão Afonso Arinos.

A Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, conhecida como Comissão Afonso Arinos, reuniu 50 notáveis1 das mais diversas áreas, para elaborar um texto de anteprojeto de constituição para a Assembleia Nacional Constituinte. Criada pelo Decreto 91.450/85 do presidente José Sarney, a comissão concluiu seus trabalhos em setembro de 1986.

Contudo, o presidente da república, a pedido do Congresso Nacional, não enviou o anteprojeto ao parlamento sob a alegação de interferência do poder Executivo no Poder Constituinte2. Optaram então os doutos parlamentares por elaborar o texto da nova Constituição do Brasil a partir de suas próprias comissões e subcomissões3. Havia ainda o fato que, os constituintes, outorgados com voto popular para escrever a Constituição, seriam os mesmos eleitos para a legislatura 1987-1990, quando o prudente seria uma eleição exclusiva para os escribas, cujos mandatos e poderes seriam dissolvidos tão logo promulgada a Carta Magna. O que antes de nascer já é controverso, bom futuro não vislumbra.

Um estudo feito em 2006 por Benayon e Rezende, professores da Universidade de Brasília (UnB), intitulado “Anatomia de uma fraude à Constituição”4, revela que os constituintes Nelson Jobim e Gastone Righi, respectivamente líderes do PMDB e PTB, alteraram o texto da Constituição brasileira sem levar a modificação à soberania do Plenário da Assembleia Nacional Constituinte. O dispositivo sorrateiramente “enxertado”, segundo os autores, num sábado 27 de agosto de 1988, foram as alíneas “a”, “b” e “c” do artigo 166 (artigo 172 no texto original), que beneficiou credores internacionais da dívida externa brasileira.

Nas garantias fundamentais, alhures mencionadas pelo ex-ministro Carlos Velloso, assistimos a peças de ficção. Para não sermos extensivos demais, nos limitamos apenas nos exemplos do artigo 6º caput e Inciso IV do artigo 7º:

Art. 6º: São direitos sociais: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. O grifo é nosso.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) Inciso IV: Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim. O grifo é nosso.

Uma vista no artigo 62 caput nos dá mostra do quanto o diploma constitucional nunca esteve acoplado à nossa realidade político-administrativa:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o presidente da república poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. O grifo é nosso.

Note que o legislador foi cuidadoso ao adotar a conjunção aditiva “e” e não a conjunção alternativa “ou” entre as condições de “relevância” e “urgência” para edição de uma MP, o que faz toda a diferença para demonstrar o quanto o cotidiano do Executivo federal avilta desde sempre a escritura suprema da nação.

Poderíamos delongar muito mais o texto, demonstrando a cada seção da Constituição Federal as suas incongruências com os tempos atuais, mas correndo o risco de tornar esta análise mais enfadonha do que já é. Limitamo-nos então a encerrar esta defesa da reflexão proposta pelo parlamentar líder governista lembrando que:

1) críticas percebidamente de viés corporativista ficam desprovidas de valia;

2) Um texto constitucional que já sofreu mais de centena de emendas, está em verdade sendo solertemente reescrito sem submissão ao foro apropriado que é o Poder Constituinte. E essa escrevedura se faz não só pelas emendas desenhadas a quatro mãos com o Legislativo e Executivo, mas também pelas inverossímeis interpretações recentes da corte constitucional, a própria guardiã do texto.

Kaike Rachid Maia é economista e consultor de empresas.

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