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sexta-feira, abril 19, 2024
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LEIA NOVAMENTE – Ressocialização: um método eficaz

Por Tarley Carvalho 

Fabrica de colchões Pantanal
foto: Elisana Sartori

No mês de Outubro, a RDM deu continuidade à trilogia relacionada ao sistema penitenciário de Mato Grosso. Nesta segunda reportagem, o leitor poderá rever a história de empresas que contrataram pessoas do sistema semiaberto.


Na edição passada, você pôde conferir uma reportagem sobre a superlotação nos presídios de Mato Grosso e os riscos que a sociedade, profissionais da segurança pública e detentos correm com esta realidade.

Nesta edição, a RDM traz para você uma reportagem com outro olhar: um dos projetos de ressocialização que tem dado certo no Estado. Ligada à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, a Fundação Nova Chance é responsável por articular meios de proporcionar uma nova vida aos detentos, preparando-os para o retorno à vida em sociedade.

Na presidência da fundação desde 2015, Cíntia Nara Selhorst tomou um café com a nossa reportagem e contou como é feito esse trabalho de mudar os rumos de vida de uma pessoa e apresentar um novo caminho, no qual detentos possam se tornar colaboradores da construção da sociedade.

Cintia Nara Selhorst presidente da fundação Nova Chance
Cintia Nara Selhorst presidente da fundação Nova Chance. Foto: Elisana Sartori

De acordo com Cíntia, a Fundação Nova Chance trabalha com três eixos: educação formal, educação profissional e trabalho. Ela explica que as três bases do trabalho são fundamentais para dar sustento ao projeto de ressocialização. A maioria dos infratores, explica, não possui o ensino fundamental concluído. Por esse motivo a necessidade de proporcionar a educação formal.

Já a educação profissional aponta para a necessidade de os reeducandos receberem capacitação técnica para, quando retornarem à sociedade, terem uma profissão para buscar emprego e não ficar à mercê da sorte e acabar voltando à criminalidade.

Por fim, na base de trabalho, a fundação articula junto a parceiros dos setores público e privado vagas de emprego onde possa encaixar aqueles que desejam uma nova oportunidade na vida.

Para estar apto a esse tipo de contrato, o reeducando precisa ter bom comportamento e ter cumprido 1/6 da pena, para crimes comuns, e 2/5 no caso de crimes hediondos.

O receio de ter colegas de trabalho que já cometeram crimes, segundo Cíntia, permanece por pouco tempo. De acordo com ela, a sensação de insegurança das pessoas se transforma em compaixão ao conhecer aqueles que cumprem pena.

“Existe um sentimento de vulnerabilidade muito grande, porque nós crescemos ouvindo que bandido é vagabundo. É uma questão de sensação de segurança. Essa é uma situação bastante temporária, rapidamente esse sentimento se transforma em solidariedade”, explicou.

Salário

Para os contratados do regime fechado, o salário recebido é dividido em três partes: 1/3 é destinado à família do detento, para contribuir com o sustento e evitar que o crime se torne uma opção de sobrevivência aos filhos. 1/3 é recolhido em uma caderneta de poupança, rendendo juros, para que, quando ganhar a liberdade, ele possa recomeçar sua vida, usando o dinheiro para pagamento de aluguel, compras e o que mais julgar necessário. O objetivo é contribuir para que a pessoa continue optando pelo trabalho e não torne a ver o crime como opção de vida.

A última parte fica com o próprio detento para comprar produtos que julgue necessário, respeitando as regras da penitenciária onde cumpre pena. Geralmente, de acordo com a presidente, esse dinheiro é utilizado para comprar produtos de higiene pessoal, bolachas, entre outros.

Aqueles que já se encontram no regime aberto ficam com o salário integralmente para si.

Contrato

A RDM também foi em busca de empresas que possuem contrato com a Fundação Nova Chance. Uma delas é a Indústria de Colchões Pantanal. De acordo com o presidente da empresa, Amilcar Guidetti, a indústria fechou contrato com a Fundação em 2013.

O processo seletivo, segundo ele, é feito da mesma forma de um processo seletivo usual. A Fundação envia a relação de candidatos, a empresa agenda as entrevistas e escolhe aqueles que apresentarem melhor desempenho.

Durante a conversa, Amilcar explicou que a empresa opta por não conhecer os crimes cometidos pelos candidatos, assim como muitos funcionários também não têm o conhecimento de quais são seus colegas que estão cumprindo pena.

“A gente também procura não saber que tipo de crime a pessoa cometeu para não ter aquele melindro. O importante desse projeto é tratar igual aos demais da empresa. A gente não quer diferenciar, são as mesmas chances e as mesmas cobranças”, afirmou.

A empresa, conta o presidente, também busca efetivar aqueles que apresentam bom desempenho no exercício de suas funções. Isso é feito, segundo Guidetti, para dar mais oportunidades a eles e também abrir vagas para novos contratos com a Nova Chance, uma vez que a empresa tem um limite legal para contratos com a Fundação.

“Hoje a gente tem seis funcionários e tem mais dois para ser contratado que serão enviados a nós. Além desses, outros quatro estavam nesse sistema e hoje é CLT”, explicou.

Alguns exemplos

Uma das preocupações do jornalismo deve ser o impacto direto que tem sobre organizações, empresas, instituições, mas, acima de tudo, sobre a pessoa humana. Durante a coleta de informações, a reportagem da RDM Notícias teve acesso a pessoas que trabalham neste regime e que tentam reconstruir suas vidas e mudar os rumos que lhes foram postos. Tais personagens também autorizaram a veiculação de seus nomes e rostos na reportagem.

Contudo, avaliando o objetivo do projeto de ressocialização e desconhecendo quais impactos esta reportagem pode causar sobre a vida dessas pessoas, a RDM decidiu por utilizar nomes fictícios para citar os detentos que trabalham neste tipo de contrato. Outro cuidado que foi decidido pela equipe de reportagem foi em não conhecer quais crimes cada entrevistado cometeu.

Felipe, de 30 anos, conta que está empregado há quase dois anos, sendo 1 ano e 3 meses pelo contrato com a Nova Chance. Há 5 meses ele foi registrado como CLT, na modalidade regular. Hoje, apesar de ainda cumprir pena, ele é chefe do setor onde trabalha, sendo responsável por fazer com que as metas diárias sejam atingidas por sua equipe.

“Foi uma bênção porque eles acreditaram em mim. Demonstram que a gente pode sim reconciliar e ser um novo cidadão em meio à sociedade. Minha família está alegre demais comigo. Minha mãe agradece muito a Deus, por ver minha mudança de vida, por me ver bem empregado”, contou.

Rodrigo, de 34 anos, é outro exemplo deste tipo de contrato. Ele conta à reportagem que já trabalha há quase dois anos. Assim como Felipe, ele também ficou 1 ano e 3 meses por meio do contrato da Fundação e agora segue em seu sétimo mês como registrado.

“Estou no regime semiaberto. Entrar para isso (crime) é interesse da pessoa, então, sair e mudar de vida são interesses dela (também). Foi o que o juiz falou: ‘se quer trabalhar, vai na Nova Chance que eles vão arrumar emprego para você’”, contou.

Ele também explicou que seus delitos foram motivados pela dificuldade financeira que teve em sua vida.

Incentivos

De acordo com Cíntia, além de proporcionar a ressocialização às pessoas que cometeram algum crime, as empresas ainda ganham benefícios ao fechar contratos com a fundação. Entre as vantagens, está a pouca ausência que o funcionário tende a ter, uma vez que as faltas injustificadas podem resultar em encerramento do contrato.

Outro benefício é não ter de pagar os direitos trabalhistas, uma forma de incentivar as empresas a contribuir neste processo de recuperação.

Ao término da conversa, Cíntia defendeu que políticas públicas devem ser tomadas para coibir o aumento da criminalidade.

internopresidio
Foto: Internet

“Nós aqui (Nova Chance) somos responsáveis por acolher tudo o que não deu certo nas outras etapas. A forma que está sendo enfrentado não dá certo, nós já sabemos. Precisamos ter creches, escolas, para que as crianças tenham acesso a essas ações preventivas de segurança. Isso não tem nada a ver com polícia, isso é um pouco mais profundo: é ter luz no bairro, saneamento, ter acesso à saúde, ter escola de tempo integral, assistência social”, defendeu.

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