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Influente e atuante, Gilmar assume posto deministro mais antigo do STF

Dependendo da posição do observador, o ministro Gilmar Mendes pode representar personagens absolutamente antagônicos. Em 2016, o Supremo Tribunal Federal mudou o entendimento que tinha até então e passou a autorizar os juízes a decretarem a prisão imediata de réus condenados em segunda instância. Foi uma das mais importantes vitórias da Lava-Jato, um golpe aparentemente letal na tradição de impunidade. Até então, a infinidade de recursos à disposição de quem podia pagar bons advogados combinada com a morosidade da Justiça transformava em miragem a punição de criminosos, especialmente os de colarinho-­branco. Na época, Mendes, como já aconteceu inúmeras vezes, foi celebrado por uns e atacado violentamente por outros. Na versão dos críticos, ao costurar nos bastidores a decisão que permitiu levar à cadeia um naco da República, o ministro teria dado vazão ao ódio que supostamente cultivaria contra o PT. A nova regra levou à prisão o ex-presidente Lula, retirou o petista da disputa presidencial e, segundo alguns, ajudou a pavimentar o caminho para o triunfo de Jair Bolsonaro.

Um ano depois, Gilmar Mendes se transformou num dos mais contundentes críticos dos métodos usados pela Lava-Jato, liderou uma investida judicial que resultou no fim da operação e, como consequência, abriu o caminho para a anulação de muitos processos. O maior beneficiado foi exatamente Lula, que teve suas condenações por crime de corrupção invalidadas, recuperou os direitos políticos e está livre para disputar as eleições de 2022. Dessa vez, aqueles que antes reverenciavam a coragem do ministro passaram a detratá-­lo. Os que antes o hostilizavam, se converteram em intransigentes admiradores. Desde que assumiu a cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), em 2002, Mendes se envolve em pesados embates. No governo Lula, denunciou publicamente a existência do que classificou como o embrião de um “Estado policial”. Ao defender a abertura de um processo eleitoral contra Dilma Rousseff, disse que a Justiça não podia permitir que o país se transformasse num “sindicato de ladrões”. Mais recentemente, acusou Jair Bolsonaro de implementar uma “política genocida” de combate à pandemia.

Aos 65 anos, dezenove deles no STF, Mendes assume a partir do próximo dia 12 o posto de decano da Corte, título dado ao ministro mais antigo do tribunal. Em tese, é apenas um cargo honorífico. Na prática, não será assim. Ao ser indagado sobre o papel que cabe a um decano, ele não hesita em delimitá-lo: “Ter uma certa representação do próprio colegiado, ter voz em momentos de crises internas e externas”. Em outras palavras, agir — o que, para ele, não é apenas retórica. “Infelizmente esses momentos de crise têm se amiudado, têm se tornado bastante frequentes, embora talvez não fossem desejáveis essas sucessivas crises, mas isso é o que a gente tem vivido nos últimos anos”, disse a VEJA. Mendes ressalta que a prioridade de momento é garantir a governabilidade do país. “Um estado de ingovernabilidade é uma ameaça à estabilidade institucional”, acrescenta (veja a entrevista). O ministro, aliás, tem sobre sua mesa uma ação com potencial de abalar algumas dessas estruturas. Em agosto, quando terminarem as férias da Justiça, deve entrar em pauta o julgamento de um recurso que causa muita apreensão no Planalto. O Supremo vai decidir em que tribunal deve tramitar o processo em que o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) é apontado como beneficiário da prática conhecida como rachadinha. Dependendo do veredicto, o caso em que o filho do presidente é acusado de recolher para si parte dos salários de seus funcionários quando era deputado estadual no Rio de Janeiro pode retornar para a primeira instância, onde se encontra praticamente concluído, ou ser definitivamente sepultado. A interlocutores, Mendes, que é o relator da ação, considera que as transações envolvendo o senador estão na raiz de boa parte dos episódios de instabilidade no governo.

O futuro decano é de longe o ministro que mais se aproxima do mundo político — e quase sempre o primeiro a ser acionado quando há necessidade de interlocução com outros poderes. As relações de Jair Bolsonaro com o Supremo foram marcadas pela desconfiança desde o início do governo. No ano passado, o presidente se convenceu de que era alvo de uma investida por parte do tribunal, que estaria disposto a lhe tolher os poderes. Embora na época o decano fosse outro, coube aos juízes considerados mais políticos, principalmente Mendes, tentar aparar as arestas com o Executivo. Não raro, também partiram do próprio magistrado o estopim de algumas refregas. Foi dele a costura — fracassada — de um acordo que, no início do ano, daria aval jurídico à reeleição do deputado Rodrigo Maia para a presidência da Câmara. Foi dele também uma das declarações mais duras contra o presidente Jair Bolsonaro — a de que um “genocídio” estava em curso — pela falta de coordenação do governo na condução da pandemia. Foi dele o cálculo político para declarar a suspeição de Sergio Moro no caso Lula.

Mesmo quem o critica reconhece que a posição de decano do STF, num momento crucial para o país, estará em muito boas mãos nos próximos anos. “Gilmar tem sólida formação jurídica, não teme o conflito com os colegas e é o mais eloquente dentro e fora do STF. É tido como um estrategista, com enorme leitura da Corte e dos demais poderes, e conversa com o Legislativo e com o Executivo”, avalia Davi Tangerino, professor de direito penal na FGV Direito São Paulo. Nos últimos meses, o ministro discutiu com senadores oposicionistas as linhas gerais da CPI da Pandemia, que investiga as ações do governo federal no enfrentamento da Covid, e, em sentido diametralmente oposto, também atuou como instrutor informal de Bolsonaro sobre a importância de medidas de combate ao vírus. Mendes também já se reuniu com o advogado-geral da União, André Mendonça, o candidato do presidente da República à vaga aberta no Supremo com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello. “Pelo histórico de sua atuação na AGU, André talvez tenha alguma dificuldade no Senado, mas é um dos quadros mais qualificados do governo”, alfineta e avaliza o ministro.

Apesar da contundência de algumas de suas declarações, Mendes garante que não cultiva inimigos. Em uma das conversas que manteve nos últimos meses com Jair Bolsonaro, o futuro decano ouviu do presidente a explicação de que boa parte dos erros do governo derivavam da inexperiência da equipe. “Se a gente já tivesse experiência, não teria trazido o Sergio Moro, que foi um desastre para o meu governo”, confidenciou o ex-capitão. O ministro não perdeu a oportunidade de exercitar sua conhecida verve: “Não fale isso, presidente. Ter tirado o Moro de Curitiba e tê-lo devolvido para o nada já foi uma grande contribuição ao país”. Imagina se o futuro decano cultivasse inimigos.

Publicado em VEJA de 14 de julho de 2021, edição nº 2746

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