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quinta-feira, abril 18, 2024
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Ao gosto dos filósofos, a vida passa diante dos olhos e deixa saudade

A pandemia da Covid-19 aguçou nas pessoas o medo da morte. O marcador das vítimas da doença em Mato Grosso registrou quase 1.800 vidas ceifadas na última semana de agosto. No entanto, muitas vidas também pereceram por tantas outras doenças, fatalidades ou pela ordem natural que rege o tempo entre o nascer e o morrer.

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que morreu em agosto de 1.900, tinha uma visão muito clara sobre a morte e o momento atual provoca uma reflexão profunda. Uma das posturas de Nietzche era a morte covarde. Aquela em que a pessoa contribui de alguma forma para o seu fim. Seja pelo descaso com a saúde, má alimentação, vícios, ódio, inveja, só para citar alguns.

O pensador alemão também filosofou sobre a morte voluntária. A que acontece no tempo certo, sem culpa. Um tempo bem vivido resulta em uma morte voluntária na visão do filósofo. Ainda assim, Nietzsche falou pouco sobre a morte trágica. Aquela que aumenta a dor por ser inesperada. Talvez esse fosse o caso nesse mês de agosto, que marca o declínio da Covid-19 em Mato Grosso.

Em todos os casos, a morte sempre vai provocar dor. O curioso é que no caso da morte voluntária sempre fica uma sensação de gratidão por quem partiu. Foi o caso da ex-primeira-dama de Cuiabá, Zulmira Meirelles, em 03 de agosto, aos 96 anos de falência múltipla dos órgãos. Ela deixou um legado de ajuda aos pobres e ações sociais na época em que seu esposo, José Meirelles, foi vice-prefeito de Dante de Oliveira e prefeito de Cuiabá de 1994 a 1996. Ele também já faleceu, em 2012. Ambos deixaram saudade e não há como deixar de admirá-los mesmo diante da perda.

Outro caso que causou tristeza a Mato Grosso foi a morte do artista plástico Adir Sodré, em 10 de agosto. Tornou-se ícone das artes plásticas ao retratar a cultura regional com tanta cor a alegria. Adir nasceu em Rondonópolis, sul do estado, mas se tornou cuiabano por adoção. Deixou o setor cultural em luto e com um sentimento de vazio.

Adir Sodré era artista único, irreverente e dono de um bom humor sem igual

Para homenagear Sodré, o deputado estadual (PSDB) defendeu a ideia de que o Cine Teatro, administrado pelo governo do Estado e localizado em Cuiabá, passe a ser chamado de “Cine Teatro Adir Sodré”.  Enquanto prefeito de Cuiabá, Wilson Santos nomeou Adir Sodré para o cargo de assessor técnico da Secretaria Municipal de Cultura e considera que o artista plástico foi peça fundamental no êxito das políticas públicas.

Já o sentimento pela morte do bispo emérito de São Felix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, aos 92 anos, em 08 de agosto após ter sido internado com problemas respiratórios, pode ser compreendida pelo pensamento do filósofo francês, Michel de Montaigne. Para ele, a função da morte seria nos ensinar a viver. Casaldáliga foi exemplo disso. Viveu uma vida que impôs regras e, apesar do seu jeito sisudo, transcendeu alegria a proteção a todos os que recebiam a sua benção e até aos que a rejeitaram. Foi admirado e odiado, entretanto, reconhecido como líder.

Amado e odiado, dom Pedro Casaldáliga escreveu a sua história à margem do Rio Araguaia

Na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, o deputado estadual Valdir Barranco (PT) apresentou Projeto de Resolução para criação da Comenda ‘Dom Pedro Casaldáliga’. A honraria lida em plenário na sessão matutina de 12 de agosto, visa homenagear personalidades que se destacam na área social, em defesa da agricultura familiar, de indígenas e de quilombolas.

“Uma forma sutil, mas importante, de homenagearmos este lutador incansável pela defesa dos direitos dos povos indígenas, das mulheres e dos pequenos agricultores e que infelizmente nos deixou. Que Deus o abençoe onde ele estiver. Dom Pedro Casaldáliga? Presente! Presente! Presente!”, postou Barranco nas redes sociais.

Quando morre um cacique, a comunidade perde um líder. Quando morre um mestre e um ancião, é um livro cheio de informações que se fecha para sempre

Para Sócrates, a morte permite que a alma se dissocie da matéria e alcance o verdadeiro conhecimento. Coincidentemente, na visão indígena é mais ou menos assim e aflorou diante de uma das fatalidades provocadas pela Covid-19. A floresta amazônica entrou em luto com a morte do Cacique Aritana, líder do Alto Xingu, que perdeu o seu último combate para a Covid-19 em 05 de agosto.

Entre as mensagens em honra à vida e história de Aritana, está a escrita nas redes sociais do neto do cacique Raoni Metuktire, Patxon Metuktire: “Quando morre um cacique, a comunidade perde um líder. Quando morre um mestre e um ancião, é um livro cheio de informações que se fecha para sempre”.

Líder conhecido por defender os direitos dos indígenas da Amazônia mato-grossenses, o cacique teria iniciado uma campanha de arrecadação de fundos para levar cuidados médicos à comunidade do Alto Xingu. Não conseguiu essa façanha, mas alcançou o verdadeiro conhecimento seguindo os rituais do povo Yawalapiti.

Cacique Aritana: de homem da floresta a mestre admirado por muitos

Montaigne também defendeu que a preparação para a morte, em casos extremos, acaba nos tornando vulneráveis e temerosos. Mas a vontade de continuar vivendo faz um contraponto a essa convicção. Prova disso foi dona Maria Benedita de Oliveira, mãe do saudoso político Dante de Oliveira. Aos 99 anos ela venceu a Covid-19 sem sequer ser internada. Ignorou os riscos e preferiu continuar vivendo na sua Cuiabá rodeada por filhos e netos. Não se entregou durante os 20 dias em tratamento e acompanhamento médico em sua residência.

Dona Maria Benedita representa bem os que ficaram fora do boletim oficial das 1.800 vítimas da Covid-19 ou das tantas fatalidades e outras doenças que também vitimaram mato-grossenses nesse período de pandemia. Mas a saudade dos que partiram, por esses ou outros motivos, ficará sempre na lembrança.

Michel de Montaigne defendeu que a morte é uma quimera: “Porque enquanto eu existo, ela não existe; e quando ela existe, eu já não existo”. “A vida é para ser vivida. Não penso na morte”, filosofou em vida Adir Sodré em uma das suas postagens nas redes sociais.

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